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FREIRE, Francisco de Brito. 1623-1692.

Sobre o autor

Francisco de Brito Freire nasceu na vila de Coruche (Portugal), por volta de 1623, e morreu em Lisboa, provavelmente em 1692. Militar de carreira, em 1654 comandava, na qualidade de almirante, a esquadra da Companhia do Comércio do Brasil, que impôs a derrota definitiva aos holandeses em Pernambuco. Freire retornou a Portugal pouco depois e atuou como governador da praça de Juromenha, no Alentejo. Entre 1661 e 1664 esteve novamente no Brasil, desta vez para governar a capitania de Pernambuco.

Obra(s)

Nova Lusitania, Historia da Guerra Brasilica a puríssima alma e saudosa memoria do serenissimo principe Dom Theodoro principe de Portugal, e principe do Brasil, por Francisco de Brito Freyre. Decada primeira. Lisboa, Officina de Joam Galram, 1675.

Menções ao negro e ao escravo

Vivendo em igual distância do mesmo paralelo, aqueles e estes habitadores, uns são vermelhos, outros negros. Deixando o parecer dos que buscam a causa da descendência de Cam, porque foi justo Noé desobediente filho, dizem os professores da filosofia, que nasce da quentura, depois de convertida em natureza. Assim os primeiros homens que na África ou na América degeneraram de brancos foram pelo curso do tempo queimando-se ao ardor do sol, e adquirindo mais cálido e mais intrínseco temperamento. Ainda que o espaço de uma vida não era para mudar de todo a cor, mudou em parte. Vieram depois os filhos destes, em que se transfundiram outros graus de calor mais intenso. Em os netos outros; e outros, e outros mais, em os mais descendentes. Com que tiveram causa bastante para a diferença da dor, conforme o temperamento do clima. Que por ser na Etiópia mais quente, são os negros os de Angola; e por ser na América menos cálido, são vermelhos os do Brasil. (pp. 21-22)

Aqui se faz a pescaria notável das baleias; e pode surgir todo o gênero e número de navios. Girando por diversas partes, separa noventa e duas ilhas; corta vários canais; e recebe seis caudalosos rios, um de que se dividem quase infinitos braços, abundantes de saboroso peixe, e navegados de muitas embarcações, para facilitar o áspero serviço dos engenhos. Contam-se ao presente fabricados sessenta e nova de água ou de bois. Nos meses que dura a safra, laureará cada um sete ou oito mil arrobas de açúcar, por meio do perpétuo trabalho de muitos oficiais, e melhor de cem negros que continuam dia e noite a quartos diferentes. Qualquer destes engenhos parece povoação de uma vila, por suas grandes máquinas, igrejas, casas nobres dos senhorios, e chapelões; e as ordinárias dos criados e lavradores: avizinhando outros lugares de mui perto, por tão largo distrito. (pp. 75-76)

O general João Dorth, a quem deixamos com a tormenta desgarrado da armada, sem poder descobrir mais vela alguma, surgiu na Bahia, ganhada já a cidade. De cujo governo, a que vinha destinado de Holanda, tomando agora posse, repreendendo meterem-na nos seus, a tão furioso saco no divino e no humano, como se vieram a destruir e não a conquistar. Ordenou, trabalhando com destros engenheiros, toda a infantaria e muitos negros, outras fortificações mais regulares; e um novo recinto a toda a praça. Que a ativa diligência, suave modo e boa disposição deste cabo, noutras muitas ocasiões lhes haviam adquirido já o aplauso com que se fez lugar entre os mais dignos sujeitos das províncias unidas. (pp. 81-82)
Partiu também Pedro Perez com oito naus a cometer a cidade de Luanda, cabeça principal dos reinos de Angola. Ou tomar posto para introduzir o comércio dos negros, sem os quais não podem conservar-se os engenhos se açúcar. Intento que lhe frustrou a cuidadosa diligência do governador Fernão de Sousa; conseguindo só a presa de quatro velas desprevenidas e limitadas, de outubro até dezembro, que o detiveram maiores esperanças em aquela paragem. (p. 91)

Em o navio Nossa Senhora da Ajuda, capitão de mar e guerra Gregório Soarez Pereira, Estevão de Brito Freyre; o qual tendo grossas fazendas, com dois dos melhores engenhos na Bahia, logo que se perdeu aquela praça, fez serviço a ElRei de duzentos negros para ajudarem nas fortificações, ao trabalho dos gastadores. (pp. 104-105)

Além de mil novecentos e dezenove soldados, se acharam na praça alguns moradores; seiscentos negros; dezoito bandeiras; duzentas e setenta peças de artilharia; muitas armas e munições; seis navios (porque os mais deitaram a pique os nossos, e fizeram de fogo os holandeses. (p.136)

Conhecendo então o Perez, era mais pelo não quererem ouvir, que por deixarem de o entender, largou quarenta e cinco prisioneiros em um navio que tomara de Angola, carregado de negros, e saiu com a armada na volta do mar, o primeiro de abril. (p. 159)

Donde mandado o capitão Ruy Calaça Borges, a desalojar esta gente, por Cabo de quatrocentos homens com sete caravelas, achou furto um navio. Livrou este velejado, deixando-nos a chalupa que tinha ido a terra. Em a qual matando os nossos quatro holandeses, e fazendo prisioneiros sete com alguns negros (além de outros que escaparam no áspero cume de um rochedo) destruíram a povoação principiada, com muitas plantas de tabaco e bastimento. (p. 161)

Um negro, indigno deste nome, pelo que emendou ao defeito da natureza, o esforço do ânimo, tomando confiança da nossa falta, por ver que tínhamos dado já aos índios armas de fogo e quanto carecíamos de mais gente, se ofereceu ao general com a que pudesse se juntar da sua, para servirem como negros, e pelejarem como brancos. Chamava-se Henrique Dias, e mostrou sempre tanta constância e tal indústria, que entre outras mercês, o despachou ElRei com foro de fidalgo, larga tença, posto de mestre de campo e hábito de Cristo, suprindo as suas provanças, os seus merecimentos; que lhe fizeram nobre o sangue vil, criando aquele, depois que por tantas feridas esgotou este. Se bem o não estimaram os portugueses, quanto o temeram os inimigos: devendo-se a virtude louvar mais onde se espera menos. (pp. 254-255)

Feito agora capitão este negro, de trinta e seis que escolhera para trazer consigo, cresceu brevemente a terço a nova companhia, assentando nela a forros e a escravos. Os quais, por desculparem as necessidades precisas, as coisas indecentes, foram já admitidos na guerra pelos romanos, I. que perdida a batalha de Canas, sem eles se oferecerem os procuraram, comprando do dinheiro público oito mil, que faltos da liberdade própria, serviram a alheia e mereceram depois a sua. Como se concedeu também aos nossos, que restaurado Pernambuco, pagos da fazenda real, ficaram isentos de toda a obrigação em prêmio da vitória. (p. 255)

Agradecendo quantos puderam trazer alguns carros, e quarenta negros, além de trinta e cinco homens com suas armas, que lhe ofereceu com a sua pessoa Francisco do Rego, um dos moradores mais nobres a que seguiram outros muitos. (p. 261)

Entendeu-se da primeira notícia, chegada confusamente ao Recife, que estava em grande aperto Biman; e puxando por mais de mil infantes, marchou Segismundo a socorrê-lo. Soube Matias de Albuquerque, e despediu os capitães Antônio de Figueiredo e Vasconcelos, Francisco de Almeida Manuel Rebello da Franca, João de Campos e Gamboa, com duzentos homens e trinta e cinco dos seus negros Henrique Dias. Descobriram os contrários; e suprindo a resolução, a desigualdade, degolaram cento e trinta, obrigando-os com muito sangue e maior pressa, a entrarem decompostos em Garassú. (pp. 265-266)

Entre tantas e tão estupendas calamidades, podendo-se já reputar a morte pela menor pena dos que morriam, vieram a ter os nossos afligidíssimos paisanos, por menos ímpios os holandeses com este e outros assaltos dos tapuias. Além dos que lhes repetiam continuamente os negros dos Palmares: dos quais para maior clareza, referirei uma breve notícia. (p. 280)

Sendo a liberdade o afeto mais natural do coração humano, e tantos os negros cativos que entrarão e entram no Brasil, fugirão e fogem muitos casais para os bosques ermos daquele imenso sertão. Onde opostos à província de Pernambuco, correm os Palmares, que se dividem em maiores e mais pequenos; distantes terra a dentro trinta léguas, por outras tantas de circuito: copiosos de arvoredo e fecundos de novidade; a que juntando-se o trabalho e indústria dos negros nas plantas que lavram, e nas feras que caçam, abundam de sustento em todo ano. (pp. 280-281)

Aqui levantando barracas de rama, dizem que habitarão trinta mil pessoas em numerosas, mas não grandes aldeias, a que chamam Mocambos. Acautelados de nos ter por vizinhos, sempre estão prevenidos de veredas ocultas, que abrem a força de machado, entre as brenhas mais densas, para se livrarem melhor da nossa gente, quando os busca em alguns verões, e lhes destrói as sementeiras, e dificulta a água que então se acha daquela banda em poucas partes. Ainda que também os mata e torna a cativar, (principalmente as mulheres e filhos, menos capazes de acompanha-los nas retiradas) mais dano recebem com os descômodos, que com as armas: por ser tão coberta a campanha, e eles tão destros nela, que metendo-se pelo mato, e sustentando-se de animais e frutas silvestres com a mesma facilidade que largam suas aldeias quando imos, as tornam a ocupar quando voltamos. (p. 281)

Conservam piedosa, posto que ridiculamente (culpa mais da ignorância que da maldade) ao rito católico, que entre nós professaram. Mas vagando por donde lhes parece, baixam das suas estâncias, fazendo grande dano, sem recebe-lo, quando sopitos, rebentam dentre as moitas e assolam, roubam e matam fazendas, casas e lavradores. Que para cultivarem paz tão largo, distam alguns a uma, duas e mais léguas dos mais vizinhos. Observando pontualmente estes negros levantados, com os nossos cativos que indo-se de su mesmos para eles ficam livres; e tomando-os, são lá escravos dos que os levam. (pp. 281- 282)

Pelo muito que já se padeceu e padece de contínuo, nestes perniciosos assaltos em benefício do seu remédio, apontaremos que como o tempo tem mostrado, apesar das diligências referidas que antes aqueles negros se aumentam que diminuem; parecera melhor impossibilitar-lhes o descanso e o mantimento, com os perseguir pela campanha, largando aos soldados as presas que tomarem. E com os desaninhar dos Palmares, fazendo neles duas povoações de moradores convenientes para assistências e marchas semelhantes. Ou reduzi-los com indústria, dando favor e liberdade a alguns dos que trazemos, para persuadirem os mais que venham lograr seguramente para as almas e para as vidas na escola da nossa doutrina, e no amparo da nossa assistência, o fruto da sua quietação. E sem nenhum receio de tornarem a ser cativos, viverem livres na forma de todos os outros negros seus parentes, alistados no terço de Henrique Dias; que ElRei mandou livrar: e assim lhes constaria, aos olhos dos mesmos senhores, andarem livres. (p. 282)
Ultimamente pediu aos moradores mais vizinhos e mais fiéis, buscassem qualquer meio. Para o intentarem em carros, impedia-o o vagar e ruído deles. Em ombros de negros dificultava-o um bando dos contrários, pelo qual concediam liberdade a quantos lhes descobrissem que se metia socorro na praça; e condenava, em pena de vida as pessoas que o fizessem. (p. 329)

Agregaram-se para se retirar (sendo das que não se retiraram muito maior o número) quase oito mil pessoas, com imensa quantidade de carruagens, gados e negros; havendo senhor levava consigo mais de trezentos. (p. 343)

Encontraram-se no engenho de João Rebello de Lima; e mostraram grande resolução entre tanta desigualdade; até que não se podendo sustentar mais, foram os portugueses rotos com morte de trinta e oito. Em que entraram Diogo Correa, filho de Ruy Barba de Mesquita, o alferes Luís de Abreu, e dezesseis negros que procederam valorosamente ao exemplo de Henrique Dias. (pp. 389-390)

O Nassau procurando lograr seguramente a primeira facção em que se empenhava, puxa por quase toda a guarnição das praças. Junta seis mil homens, de que eram quinhentos índios e negros: uns tirados das aldeias; outros pedidos a seus senhores, com que dispõem a jornada por esta forma. (p. 395)

Não menos tarde do que confusamente mandou então o Banholo, o tenente de mestre de Campo General Alonço Ximenes de Almiron, e o sargento mor Martim Ferreira da Câmara, com oitocentos soldados; e Dom Antônio Felipe Camarão e Henrique Dias, com trezentos índios e oitenta negros, que era quanto havia em ambos estres troços. (p. 397)

O mal que provaram hoje os índios de Camarão, supriram os negros de Henrique Dias. A ele do cotovelo para baixo cortaram o braço esquerdo, e perdeu da sua gente três capitães e o sargento mor. (pp. 398-399)

Depois de S. Francisco para Sergipe; e agora de Sergipe para a Bahia. Distâncias que compreendem duzentas léguas. Em muitas das quais a constância abriu caminho por donde a natureza fechou o passo. E tendo sempre maiores dificuldades que vencer; por não serem poucos os retirados a que fugiram, morreram ou furtaram negros, bois e cavalos. Além dos que iam vendendo para acudirem ao sustento e obrigação de suas famílias. (p. 412)

Destes espias, tomamos um na campanha, que em confessando o referido, fez enforcar o Conde de Banholo com dois negros, por quem Maurício mandava saber quanta infantaria deixávamos a noite de emboscada; e porque parte recebíamos mais dano das batarias. (p. 447)

Chamam asas duas barbatanas disformes, que servem como de remos proporcionados a máquina de todo aquele corpo. Encalham-no de preamar, e ficando depois em seco, com passarem de oitenta negros os que começam a abri-lo da parte oposta, nenhum se vê da outra. (p. 514 [do PDF])

Fregem-no, e derrete-se nas caldeiras que ardem dia e noite em uma casa, e dissera melhor um inferno, pelo perpétuo fogo, espesso fumo, nocivo fedor, e negros nus, que gateadas as carnes com lavores ou manchas sem ordem de certo barro, para despegarem a grossura, cruzando a todas as partes, em beneficio deste trabalho, com ganchos de ferro e instrumentos semelhantes, fazem própria figura de ministros de Satanás ou de almas danadas. (p. 515 [do PDF])

Páginas

21, 22, 75, 76, 81, 82, 91, 104, 105, 136, 159, 161, 254, 255, 265, 266, 280, 281, 282, 329, 343, 389, 390, 395, 397, 398, 399, 412, 447, 514 [do PDF], 515 [do PDF]

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